O Erro de Donald Trump na Política de Taxação e o Papel da China no Rearranjo Geopolítico

A administração de Donald Trump marcou um período controverso na história econômica e geopolítica dos Estados Unidos, especialmente em relação à política fiscal e ao cenário internacional em transformação. Dois aspectos centrais mostram a magnitude dos erros e os desafios globais decorrentes: as políticas de taxação adotadas sob seu governo e o papel crescente da China no redesenho da geopolítica mundial.
O Erro Fatal na Política de Taxação de Trump
Durante seu governo, Trump promoveu uma política fiscal baseada em cortes de impostos substanciais para empresas e indivíduos mais ricos, por meio da reforma conhecida como Tax Cuts and Jobs Act. A intenção era estimular o crescimento econômico e a criação de empregos, mas os resultados efetivos revelam o contrário para grande parte da população. A redução da carga tributária não foi acompanhada por cortes proporcionais nos gastos públicos, especialmente os militares, gerando um déficit fiscal crescente e impulsionando a dívida pública a níveis historicamente elevados, hoje ultrapassando 37 trilhões de dólares.
Além disso, Trump apostou em uma estratégia de substituição da arrecadação via impostos por receitas advindas de tarifas elevadas sobre importações, especialmente contra a China, com tarifas que chegaram a níveis proibitivos, inviabilizando grande parte do comércio bilateral. Essa política tarifária não só prejudicou a relação comercial como também se mostrou economicamente inviável para substituir receita tributária, pois exigiria tarifas absurdamente altas que encareceriam produtos para consumidores americanos e agravariam desigualdades sociais.
Economistas criticam que essas medidas resultaram em um aumento da dívida pública sem o correspondente crescimento sustentável da economia, elevando custos de financiamento e enfraquecendo a confiança dos mercados financeiros. Na prática, os cortes de impostos ampliaram as desigualdades, aumentaram a vulnerabilidade fiscal do país e deixaram um legado difícil de reverter para as administrações seguintes.
A Ascensão da China e o Novo Cenário Geopolítico
Enquanto os EUA enfrentavam desafios internos e externos, a China vem desempenhando um papel central na reconfiguração do poder global. Em 2025, a China adotou uma estratégia conhecida como “Dual Circulation”, que busca equilibrar o crescimento econômico reduzindo a dependência do mercado externo e fortalecendo o consumo interno, ao mesmo tempo em que expande sua influência regional por meio de acordos comerciais, alianças multilaterais (como a ampliação do BRICS) e investimentos estratégicos.
No plano geopolítico, a China tem consolidado sua liderança na Ásia e fortalecido parcerias com Rússia e Índia, criando um polo de poder capaz de desafiar o domínio americano em diversas frentes. A sua postura estratégica diante de conflitos internacionais, a exemplo da crise Ucrânia-Rússia e das tensões no Oriente Médio, evidencia uma abordagem pragmática de cooperação e equilíbrio, buscando evitar confrontos diretos enquanto amplia sua presença diplomática e econômica.
Além disso, a China avançou na competição tecnológica, especialmente em inteligência artificial, o que potencialmente reduz a supremacia americana nesse setor e influencia a dinâmica global. Internamente, apesar dos desafios econômicos recentes, a confiança pública em seu papel como potência global cresce, fortalecendo o discurso nacionalista e a sustentabilidade de suas políticas externas.
Interconexões e Consequências Globais
A política tributária equivocada de Trump e a crescente força da China estão interligadas no redesenho da ordem mundial. As tarifas de Trump contra a China foram incapazes de frear o avanço do país asiático e, ao invés disso, alimentaram um realinhamento estratégico que favorece Beijing. O endividamento crescente dos EUA, resultado em parte das políticas fiscais deficitárias, alimentou dúvidas sobre a estabilidade da maior economia mundial e fomentou uma diversificação das reservas internacionais, prejudicando o status do dólar como moeda global dominante.
Esse conjunto de fatores aponta para uma fase de transição delicada, em que o equilíbrio do poder global está em disputa e requer uma condução política hábil para evitar conflitos e preservar a estabilidade econômica internacional.
Conclusão
O governo Trump cometeu um erro grave ao apostar em cortes fiscais profundos sem compensação adequada, agravando a dívida pública e a vulnerabilidade fiscal dos EUA. Paralelamente, sua política tarifária contra a China foi economicamente insustentável e contribuiu para o rearranjo geopolítico global que favorece a ascensão chinesa como potência estratégica. Hoje, o mundo presencia as consequências dessa confluência, com os Estados Unidos enfrentando uma crise fiscal e de credibilidade, ao passo que a China consolida seu papel central no palco mundial, moldando as relações internacionais para as próximas décadas.
João Ives Doti – Sociologia, Cientista Político, Professor e Pesquisador