Empreendedorismo: escolha ou necessidade?

 Empreendedorismo: escolha ou necessidade?
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Por Márcio Cabral
31/01/2025

Muitos debates têm sido postos sobre esta pergunta – os jovens, ao ingressarem no mundo do trabalho, estão optando pela informalidade por uma questão de liberdade? Desconfiava que isto não passava de mais um discurso neoliberal que tenta vender sua ideologia goela abaixo – aquelas mentiras que são repetidas a exaustão até se tornarem verdades inquestionáveis. Mas as pesquisas mais recentes sobre o desejo da juventude sobre o trabalho nos oferece um contraponto ao discurso dominante.

A ideia de que os jovens rejeitam empregos formais e preferem empreender tem sido repetida com insistência, mas não se sustenta diante dos dados e da realidade do mercado de trabalho brasileiro. Mais do que um fenômeno espontâneo, essa narrativa é alimentada por interesses políticos e econômicos que buscam normalizar a precarização e transferir os riscos do trabalho para o indivíduo. Ao distorcer a realidade, cria-se a falsa impressão de que a juventude deseja abrir mão de direitos, quando, na verdade, a informalidade e o empreendedorismo por conta própria surgem, na maioria das vezes, como última alternativa diante da falta de opções.

Pesquisas mostram que a maioria dos jovens ainda valoriza empregos formais. Segundo a PNAD Contínua do IBGE, a taxa de informalidade entre jovens de 18 a 24 anos no Brasil é alta, mas isso não significa que seja fruto de uma escolha voluntária. Muitos aceitam trabalhos precários por absoluta necessidade, e não por uma suposta rejeição à estabilidade e aos direitos garantidos. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) reforça essa constatação ao apontar que o desejo por segurança trabalhista e benefícios ainda é predominante entre essa faixa etária. Um levantamento do Instituto Locomotiva (2023) desmonta qualquer ilusão sobre esse suposto desinteresse dos jovens pelo emprego formal: 78% afirmam que prefeririam um trabalho com carteira assinada a um emprego autônomo ou informal, caso tivessem essa opção.

O empreendedorismo, muitas vezes vendido como um ideal de liberdade e autonomia, não passa de um recurso de sobrevivência para grande parte dos jovens. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor (GEM), mais de 60% dos novos empreendedores no Brasil iniciam negócios não porque querem, mas porque não encontram oportunidades no mercado formal. Ainda assim, insiste-se na ideia de que a juventude está cada vez mais interessada em “ser dona do próprio destino”, ignorando que empreender sem estrutura e capital inicial significa, na prática, enfrentar um risco altíssimo de fracasso. Dados do Sebrae revelam que cerca de 29% das micro e pequenas empresas fecham em até cinco anos, resultado da falta de crédito, do peso tributário e da dificuldade de competir com grandes negócios.

Essa distorção do discurso serve a um propósito claro: justificar a precarização do trabalho e enfraquecer a luta por direitos. O crescimento da uberização e da informalidade não ocorre porque os jovens rejeitam a CLT, mas porque o mercado oferece cada vez menos alternativas. A ideia de que “os jovens querem flexibilidade” mascara o fato de que muitos simplesmente não têm escolha. Modelos de trabalho sem vínculo empregatício, como os aplicativos de transporte e entrega, vendem a ilusão de autonomia, mas transferem custos e riscos para o trabalhador, que perde qualquer tipo de proteção social. O DIEESE alerta que essa tendência aumenta a vulnerabilidade dos trabalhadores e compromete sua segurança financeira no longo prazo, dificultando até mesmo o acesso a direitos básicos, como previdência e seguro-desemprego.

Apesar disso, a tese de que os jovens estão “ganhos” para o empreendedorismo continua sendo repetida como se fosse uma verdade inquestionável. O que está em jogo, no entanto, não é uma mudança de mentalidade da juventude, mas uma reconfiguração das relações de trabalho em favor da precarização. Enquanto esse discurso seguir sendo alimentado, a juventude seguirá sendo forçada a escolher entre a instabilidade e o desemprego. O verdadeiro debate não deveria ser sobre CLT versus empreendedorismo, mas sobre como garantir que os jovens tenham oportunidades reais, com dignidade e segurança, independentemente do caminho que decidam seguir.


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