Trabalho terceirizado tem cor e cara. E é de uma mulher negra – por Bruna Rodrigues
O mês da mulher negra latino-americana e caribenha é um momento de extrema importância para que possamos dar visibilidade às nossas bandeiras historicamente colocadas em segundo plano. O dia que homenageia Teresa de Benguela, mulher negra que liderou, na região do atual estado do Mato Grosso, o enfrentamento ao governo escravocrata da época, nos deixou um importante legado de luta que até hoje reivindicamos. No mês de julho lembramos, celebramos, mas também seguimos em luta por nossos direitos.
A formação social brasileira e a riqueza acumulada socialmente decorre dos 300 anos de escravidão. As marcas do Brasil colônia, a exemplo dos açoites, violência, estupros são parte do nosso passado e sustentam o racismo estrutural atualmente, sob expressões e estratégias velhas e novas presentes na realidade atual – dentre elas a segregação do trabalho por gênero e raça.
A escravidão determinou a existência das mulheres negras no imaginário social até os dias atuais, através do processo de desumanização dos corpos negros femininos – por serem tratadas como força de trabalho precarizada, trabalhadoras em tempo integral, brutalmente violentadas e exploradas sexualmente. Podemos olhar, por exemplo, para o trabalho doméstico e de cuidados, muitas vezes terceirizados, que é composto de maneira expressiva por mulheres negras. A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) de 2022, aponta que 78% das mulheres negras que trabalham na região metropolitana de Porto Alegre estão no setor de serviços.
As políticas neoliberais são responsáveis pela precarização, nunca antes vista, das condições de trabalho e pela redução da renda do trabalho. A partir da legislação referente à terceirização, percebemos que não há mais direitos garantidos para as trabalhadoras e trabalhadores porque a terceirização exercida na atividade fim e na atividade meio é tal como não tivesse qualquer limite. Alguns empregadores argumentam que determinada atividade está sendo terceirizada e, portanto, eles não têm nenhuma responsabilidade.
A terceirização ampla e irrestrita promove a redução de direitos, aprofunda as desigualdades, precariza substancialmente as condições de trabalho às quais são submetidos as trabalhadoras terceirizadas, determina vínculos mais instáveis, menores salários e mais acidentes laborais. Neste contexto, a terceirização amplia a capacidade de exploração do trabalho. E essa exploração acaba por determinar o lugar social que homens e mulheres, brancas e negras, ocupam na sociedade.
Destacamos que nas bases da pirâmide social brasileira localizam-se as mulheres negras e pobres, pois são elas que executam os trabalhos mais precários, subalternos, invisíveis e com a pior remuneração, como são os trabalhos terceirizados. Ou seja, podemos afirmar que há diferenciação em relação aos rebatimentos da terceirização em se tratando das mulheres, principalmente mulheres negras, uma vez que a formação social brasileira está assentada na desigualdade e nas opressões de classe, gênero e raça/etnia.
Muitas vezes as trabalhadoras terceirizadas têm uma pior condição de trabalho, seja na formalização, seja nos direitos cotidianos, como férias e 13º salário, mas especialmente as condições de saúde e segurança. E quando realizamos o recorte de gênero e raça para analisarmos o mercado de trabalho e os efeitos da divisão sociossexual e racial do trabalho, identificamos uma grande desigualdade no que diz respeito à relação entre homens e mulheres e mulheres brancas e mulheres negras. Cabe assinalar que essas desigualdades resultam do racismo e do patriarcado, uma vez que ambos são ideologias de dominação que compõem a formação social brasileira. Nesse sentido, destacamos que as relações sociais no Brasil foram constituídas e assentadas na exploração e desigualdade.
Por fim, sinalizamos que a subalternidade do trabalho das mulheres negras na sociedade brasileira está vinculada à construção da nossa formação social. Logo, vale destacar que as mulheres negras são aquelas que acumulam os piores indicadores sociais no Brasil, pois são as que possuem pior remuneração, são as que mais sofrem violência doméstica, as que mais sofrem violência obstétrica e as que mais morrem. Por isso torna-se extremamente importante descortinar as desigualdades e opressões que estruturam a nossa sociedade a fim de buscarmos a sua superação e transformação.
Celebrar o dia da mulher negra latino-americana e caribenha é lembrar que, se até aqui avançamos, ainda podemos ir muito além: porque nós queremos viver, e viver de forma digna, com trabalho e salários decentes
(* ) Bruna Rodrigues – mulher preta de 35 anos, é deputada estadual do Rio Grande do Sul pelo PCdoB. Membro da primeira Bancada Negra da história do legislativo gaúcho, é uma das primeiras mulheres negras eleitas na história para a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. É também presidenta do Comitê Municipal do PCdoB em Porto Alegre e estudante cotista de Administração Pública e Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
- Publicado originalmente no SUL21