Entre a Sobrevivência e o Cuidado: Desafios Estruturais da Saúde Mental dos Professores no Rio Grande do Sul

 Entre a Sobrevivência e o Cuidado: Desafios Estruturais da Saúde Mental dos Professores no Rio Grande do Sul
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Por João Ives Doti Junior, Professor, Sociólogo, Cientista Político e Pesquisador

O debate sobre a saúde mental dos professores no Rio Grande do Sul revela não apenas números alarmantes de adoecimento, mas também complexas dinâmicas sociais e institucionais que aprofundam o sofrimento docente. A experiência do professor vai além do cumprimento de tarefas pedagógicas; ela se entrelaça com a subjetividade de cada trabalhador e com o tecido social em que a escola está inserida, tornando o cenário ainda mais desafiador.[2][9]

Adoecimento Docente: Processo Cotidiano e Não Episódico

A crise de saúde mental no magistério gaúcho não pode ser reduzida a episódios pontuais. Trata-se de um processo cotidiano que se manifesta sob a forma de ansiedade, depressão, estresse crônico e síndrome de burnout – sintomas cada vez mais presentes entre os educadores. Esse adoecimento está atrelado a jornadas exaustivas, sobrecarga de demandas, pressão por resultados, instabilidade econômica, desvalorização institucional e violência no ambiente escolar.[9][2]

Mais de 50% dos afastamentos por motivo de doença estão associados a transtornos mentais ou comportamentais, de natureza leve a grave, com destaque para os quadros depressivos. O aumento dos afastamentos por questões psicológicas – 18 mil apenas em 2024 – revela a falência das estratégias individuais de enfrentamento quando não existe amparo institucional sólido.[4]

Estruturalidade do Sofrimento e Invisibilidade Político-Social

O sofrimento psicológico dos docentes é amplificado por fatores estruturais enraizados: turmas superlotadas, falta de professores, violência escolar, ausência de apoio da gestão, espaços escolares deteriorados e remuneração incompatível com as responsabilidades. A lógica da medicalização surge, muitas vezes, como resposta rápida: quase um terço dos professores utiliza medicamentos psicotrópicos, buscando formas de resistir diante da ausência de mudanças efetivas nas condições de trabalho.[5][2][9]

A perspectiva da culpabilização individual aprofunda essa invisibilidade política: recai sobre o educador a responsabilidade exclusiva pelo próprio sofrimento, obscurecendo as responsabilidades institucionais e sociais na gênese do adoecimento. Romper com essa lógica é condição fundamental para a construção de políticas públicas que valorizem a saúde mental coletiva.

Interseccionalidade e Vulnerabilidades

As mulheres, maioria entre os professores, evidenciam índices mais altos de sofrimento mental devido à multiplicidade de funções – escolar, doméstica e familiar –, expondo a íntima ligação entre saúde mental, gênero, trabalho e desigualdade social. A experiência da docência, especialmente em contextos de vulnerabilidade social, transforma o espaço escolar em lugar de enfrentamento diário de angústias que extrapolam o papel estritamente pedagógico.[10][5]

Caminhos para o Enfrentamento: Para Além da Medicalização

As estratégias de enfrentamento exigem a superação da abordagem centrada apenas no indivíduo, valorizando o coletivo, a escuta e a promoção de ambientes seguros, respeitosos e acolhedores. Programas de apoio psicológico e iniciativas como rodas de conversa são importantes, mas insuficientes se não forem acompanhadas de mudanças estruturais: recomposição salarial, redução da carga de trabalho, combate à violência escolar e valorização do trabalho docente.[8][2]

É urgente fortalecer redes de proteção, fomentar canais institucionais de escuta e denúncia e promover formação continuada sobre saúde mental e prevenção do sofrimento psíquico entre gestores e professores.

Considerações Finais

A saúde mental dos professores gaúchos é reflexo tanto da precarização do trabalho quanto das insuficiências do cuidado coletivo e institucional. O enfrentamento dessa realidade demanda políticas públicas integradas, que promovam a valorização docente e reconheçam o sofrimento não como destino inexorável, mas como resultado de escolhas sociais e estruturais passíveis de transformação.[2][5][9]

O debate sobre saúde mental de professores no Rio Grande do Sul, assim, se constitui como um clamor por justiça social, por trabalho digno e por uma escola verdadeiramente humana.

Fontes
[1] Profissionais da Educação e da Saúde debatem … http://riogrande.rs.gov.br/noticia/51391?titulo=Profissionais+da+Educa%C3%A7%C3%A3o+e+da+Sa%C3%BAde+debatem+sa%C3%BAde+mental+no+contexto+do+ambiente+de+trabalho
[2] Saúde mental em colapso: adoecimento avança entre … https://www.brasildefato.com.br/2025/04/24/saude-mental-em-colapso-adoecimento-avanca-entre-servidores-publicos-do-rs/
[3] Professores enfrentam transtornos mentais, distúrbios de voz … https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/comunicacao/noticias/noticias/2023/outubro/professores-enfrentam-transtornos-mentais-disturbios-de-voz-e-violencia
[4] Saúde mental: RS teve 18 mil afastamentos do trabalho por … https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/03/11/saude-mental-rs-teve-18-mil-afastamentos-do-trabalho-por-ansiedade-e-depressao-em-2024-aponta-levantamento.ghtml
[5] Sofrimento mental de professores do ensino público https://www.scielo.br/j/sdeb/a/wjgHn3PzTfsT5mQ4K8JcPbd/?lang=pt
[6] Pesquisa revela que saúde mental dos professores piorou … https://novaescola.org.br/conteudo/21359/pesquisa-revela-que-saude-mental-dos-professores-piorou-em-2022
[7] Saúde mental dos professores de uma universidade do … https://repositorio.unisc.br/jspui/handle/11624/2860
[8] Em live, CPERS debate políticas públicas para a saúde … https://cpers.com.br/em-live-cpers-debate-politicas-publicas-para-a-saude-mental-dos-educadores-no-rs/
[9] Saúde mental e trabalho docente – Pepsic – BVS http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2018000300004
[10] saúde mental, adoecimento e trabalho docente https://www.scielo.br/j/pee/a/pnKjTfs7s9VrzJGMhTsMPSG/?lang=pt


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