Meritocracia: apontamentos críticos para a luta educacional – Por João Ives Doti Junior
A aplicação da meritocracia na educação é um tema que gera debate, pois, embora a ideia de recompensar o mérito e o desempenho possa parecer justa à primeira vista, existem vários prejuízos associados a essa abordagem, que tendem a agravar desigualdades e a impactar negativamente tanto professores quanto alunos.
1. Desigualdade de Recursos e Oportunidades: Um dos principais problemas da meritocracia na educação é que ela não leva em conta a desigualdade de recursos entre diferentes escolas e comunidades. Alunos que frequentam escolas com poucos recursos podem ter menos acesso a materiais de aprendizagem, tecnologia e apoio educacional, o que os coloca em desvantagem desde o início. Quando o sucesso é medido com base em metas padronizadas, esses estudantes estão em desvantagem em comparação com seus pares de escolas mais bem equipadas, perpetuando ciclos de desigualdade.
2. Pressão Excessiva e Estresse: A ênfase em resultados e desempenho pode criar um ambiente de alta pressão tanto para professores quanto para alunos. Professores podem ser forçados a “ensinar para o teste”, focando em envolver os alunos apenas naquilo que será avaliado, ao invés de proporcionar uma educação ampla e abrangente. Alunos, por sua vez, podem experimentar níveis elevados de estresse, o que pode prejudicar seu bem-estar emocional e saúde mental.
3. Desvalorização de Habilidades Não Avaliadas: A meritocracia na educação tende a favorecer habilidades que são facilmente mensuráveis, como o desempenho em testes padronizados, em detrimento de outras habilidades importantes, como criatividade, resolução de problemas, pensamento crítico e habilidades socioemocionais. Esses aspectos, essenciais para o desenvolvimento pessoal e social, podem ser negligenciados em um sistema que prioriza resultados tangíveis e imediatos.
4. Erosão da Colaboração: Em um ambiente meritocrático, onde recompensas estão atreladas ao desempenho individual ou de uma turma específica, a colaboração entre professores pode ser desencorajada. Uma ênfase na competição pode minar o trabalho em equipe e a troca de boas práticas, que são fundamentais para o avanço educacional e a melhoria contínua do ensino.
5. Impacto Negativo na Diversidade Educacional: A meritocracia pode levar à homogenização dos métodos de ensino, colocando a inovação pedagógica em risco, uma vez que professores podem hesitar em experimentar novas abordagens que não estejam comprovadamente alinhadas com critérios de avaliação padrão. Isso pode empobrecer a experiência educacional e limitar o desenvolvimento de diferentes estilos de aprendizagem que atendem a uma população estudantil diversificada.
6. Aumento da Evasão Escolar: Alunos de escolas desfavorecidas, enfrentando um sistema que não reconhece suas dificuldades únicas e que mede o sucesso por padrões rígidos, podem se sentir desmotivados e alienados, resultando em medidas desesperadas, como a evasão escolar. A percepção de que o sistema está “armado” contra eles pode diminuir o envolvimento e a motivação escolar.
Em suma, enquanto a meritocracia pressupõe uma recompensa justa para o esforço e a habilidade, sua aplicação na educação ignora fatores estruturais e contextuais significativos que podem impactar seriamente o acesso justo a oportunidades. Abordar esses prejuízos implica em considerar abordagens educacionais que reconheçam e trabalhem para superar a desigualdade, promovam a inclusão e celebrem a diversidade de habilidades entre alunos e professores.
*João Ives Doti Junior
Professor, sociólogo, cientista político e pesquisador