Quando o mercado toma a escola: Neoliberalismo e resistência em Porto Alegre – Por Silvana Conti

Neste 15 de outubro de 2025, quero compartilhar esta escrita, que é a maneira de expressar minha indignação como professora aposentada da RME de Porto Alegre.
Fiz parte dos nossos melhores momentos, quando a Administração Popular teveuma educação que foi referência internacional em qualidade, em gestão democráticae tinha nas/os trabalhadores/as em educação seus/as grandes aliados/as.
Tinhamos bons salários, plano de carreira, formação continuada e em serviço, tinhamos valorização profissional e participavámos da construção do Projeto Políticoe Pedagógico da SMED.
A RME de Porto Alegre tem história de luta, resistência e muita participação dos territórios escolares.
Neste dia, quero dar um abraço fraterno em todas as professoras e professores, pois seguiremos de cabeça erguida e espinha ereta, apesar de você Melo, “amanhã vai ser outro dia.”
Nos últimos anos, a Prefeitura de Porto Alegre tem aprofundado um projeto de gestão neoliberal na cidade, e na educação, que ameaçam a escola pública comoespaço de aprendizagens, democrático, participativo, plural e comunitário.
Nas gestões do prefeito Sebastião Melo (MDB), as políticas para a educação emPorto Alegre são pouco transparentes, intervencionistas, privatistas e contrárias à gestão democrática.
Inspirada em modelos empresariais, a administração municipal vem substituindo o diálogo social e a autonomia pedagógica por práticas de controle, terceirização e centralização política.
Essas medidas compõem um modo neoliberal de governar, que, como analisamPierre Dardot e Christian Laval (2016), transforma todos os domínios da vida emespaços de concorrência e desempenho.
Na educação, esse modelo se expressa na mercantilização do ensino, na perda de autonomia docente e no enfraquecimento da gestão participativa — aquilo que Paulo Freire (1996) definia como a negação da própria pedagogia da autonomia.
Ao mesmo tempo, como lembra Sandra Corazza (2008), a escola é também espaçode invenção e resistência. Reafirmar a educação como prática da liberdade exigeenfrentar as lógicas de controle e padronização impostas pelo neoliberalismo.
Ser professora é habitar o entre — entre o que foi e o que pode ser, entre o gesto e o pensamento, entre o silêncio e a palavra que nasce.
Professora é quem planta ventos e colhe travessias. É quem sabe que oconhecimento não é produto, é encontro. Não é poder, é partilha. Não é fórmula, é reinvenção.
Para Karl Marx, o capitalismo é um sistema de exploração estruturado na apropriação privada dos meios de produção e na extração da mais-valia. Sua base econômica é a propriedade privada, e sua base política é o Estado burguês, que garante juridicamente as condições dessa exploração.
O neoliberalismo, na perspectiva marxista, é um estágio avançado do capitalismo, no qual a lógica de acumulação invade todas as esferas da vida, transformando o trabalho e a subjetividade em mercadorias.
Em *A Nova Razão do Mundo*, Dardot e Laval defendem que o neoliberalismo não é apenas uma política econômica, mas uma racionalidade que estrutura as formas de governo, de poder e de subjetividade.
O neoliberalismo fabrica um novo tipo de sujeito: o ‘empreendedor de si’, que internaliza a lógica da concorrência e da performance.
O Estado neoliberal, regula e organiza a competição, atuando como produtor das condições para a expansão da lógica empresarial. Assim, o neoliberalismo torna-se uma forma de governo das condutas.
Na escola, o neoliberalismo se expressa na competição, no medo do fracasso, na desvalorização de saberes não mensuráveis e na homogeneização curricular.
No mercado educacional (editoras, rankings, avaliações, consultorias) passam a produzir os parâmetros do que é conhecimento válido; a educação é tratada como mercadoria e investimento individual — o/a “aluno/a empreendedor/a de si” substitui o sujeito coletivo e histórico.
A escola é convertida em empresa e o/a professor/a, em gestor/a de resultados. O tempo da formação cede ao tempo da produtividade, e a pedagogia se curva à eficiência. Como se o processo educativo pudesse ser reduzido a planilhas, metas e índices.
Osmundo Pinho (2019) aponta que o neoliberalismo, com suas lógicas de mercado e minimização do Estado, pode intensificar as desigualdades sociais e econômicasque impactam desproporcionalmente a população negra, tornando a luta antirracistamais complexa.
A crítica de Sueli Carneiro (2003) ajuda a entender que a racionalidade neoliberal não é neutra — ela é racializada e patriarcal. Ao propor a liberdade como méritoindividual, o neoliberalismo apaga as hierarquias históricas que estruturam asdesigualdades de classes, raciais e de gênero.
Na escola, isso se traduz em discursos meritocráticos que desconsideram as condições concretas de vida dos sujeitos que aprendem e ensinam.
Grada Kilomba (2019) revela que o neoliberalismo também coloniza o imaginário, ao silenciar vozes dissidentes sob o disfarce da igualdade formal. A “liberdade de expressão” neoliberal, na verdade, é o direito de repetir as mesmas narrativashegemônicas — uma liberdade que exclui quem ousa falar a partir do seu lugar de fala. Por isso, a descolonização da educação é também uma descolonização da falae da escuta.
Diante disso, resistir ao neoliberalismo na educação não é apenas questionarpolíticas públicas ou práticas escolares — é reconfigurar o sentido do aprender e do ensinar.
O desafio contemporâneo é reencantar a educação como prática de liberdade. Recolocar o corpo, a arte, a ancestralidade e o coletivo no centro do ato pedagógico.
Como diria Paulo Freire (1996), “ninguém educa ninguém — educamo-nos emcomunhão”. E em tempos neoliberais, essa comunhão é o gesto mais radical de resistência.
Educar, hoje, é resistir à solidão imposta pelo capital. É fazer da escola um quilombo vivo — lugar de respiro, de criação e de futuro.
Defender a escola pública, laica, inclusiva, antirracista e de qualidade social, é resistir ao projeto de cidade que exclui, privatiza e silencia. É lugar de lutar a favor da educação antirracista, contra o racismo, machismo, capacitismo, LGBTfobia e o neoliberalismo que estruturam as desigualdades sociais no Brasil.
Precisamos seguir construindo a unidade do campo democrático, ampliando nossasalianças com os movimentos sociais, populares e sindical para elevarmos a consciência política das/os trabalhadores/as em educação, dando destaque na lutaem defesa da democracia, resistindo e tendo como foco principal a luta pela soberania nacional, políticas públicas de qualidade, valorização profissional, pelosdireitos das/os servidores/as públicos/as, justiça e direitos sociais.
Precisamos estar: “UNIDAS/OS, ATENTAS/OS E FORTES”, para 2026, 2028 e seguirmos sempre na luta rumo ao socialismo.
Silvana Brazeiro Conti
Professora aposentada da RME.
Lésbica – Feminista. Militante da luta Antirracista.
Mestra em Políticas Sociais e Serviço Social.
Dirigente e Membra do comitê central do PCdoB.
Doutoranda em Educação.
Referências
CORAZZA, Sandra Mara. Didática da Diferença. Porto Alegre: Mediação, 2008.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 2012.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.
PINHO, Osmundo de Araújo. Racismo, antirracismo e neoliberalismo no Brasilcontemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2019.
ZORDAN, Paola. Educação e Filosofia da Diferença. Porto Alegre: UFRGS, 2012.